Quatorze anos depois da minha primeira Bienal do Livro, parti para minha segunda, edição de 2025, à uma e meia da tarde de uma segunda-feira. Esse gap de mais de uma década me fez refletir sobre minha trajetória no mundo dos livros e a resposta para os meus porquês só veio ao escrever este texto.
Spoiler: A leitura não é um ato individual, pelo menos não para mim.
A infância
Desde pequena, era conhecida como “Ela não gosta de ler”. E quer saber qual era a minha maior vergonha? Realmente, eu não gostava.
Achava entediante, demorado. Lembro-me do meu primeiro livrinho infantil cujo o título era Teletubbies e não sei mais o quê — meu desenho favorito. Poucas palavras, muitas figuras — eu amava aquele livro!
A partir de Teletubbies, minha tia achou uma boa ideia que eu aprendesse a ler por meio dos gibis da Turma da Mônica (um clássico, diga-se de passagem). Entretanto, lembro bem da decepção: ganhei uma assinatura dos gibis mais queridos do Brasil em vez de um brinquedo qualquer — hoje, vejo quanta pena tenho dessa criança.
P.S.: No começo, eu pulava para os quadrinhos finais — eles não tinham nenhuma palavra. Depois, acabei pegando gosto de todas as histórias do gibi e virei a Mônica em um teatrinho escolar no maternal (mas isso é papo para outro dia).
Não sei se a culpa foi dos meus pais ou se era apenas… burrice minha. Não tenho memórias de exemplos em casa — apesar de ter descoberto, na minha adolescência, que minha mãe sempre foi uma leitora nata.
O período escolar
Com a escola, vieram os livros obrigatórios. Lembro-me de um com a capa muito linda e colorida (era sobre uma bruxa, eu acho). Marcou, mas não o suficiente para que eu me lembrasse do título — só recordo que me esforcei muito para ler. E muito, viu?!! Olhava para os lados e percebia que os coleguinhas gostavam desse ato maravilhoso. Questionava-me: por que eu não conseguia gostar de ler??
Entrei para o teatro. Sim, amava! Mas adivinha se eu li o livro em que a peça se baseava… Depois que passou a estreia, me questionava por que não ganhei um dos personagens principais. Pudera?!
Até que, no inicio da minha pré-adolescência (point of view daquela época: não me achava mais criança), devorei o Diário de uma garota nada popular, de Rachel Renée Russell. Eu falei: “Nossa, sou eu”.
Foi nesse instante que conheci um dos mais populares mecanismos da literatura: a identificação.
Pensou que, a partir daí, eu seria uma grande leitora?! RISOS. Todos os livros obrigatórios escolares eu lia na versão em quadrinhos ou via resenhas no YouTube para a prova.
Para você que está se perguntando se continuei a saga do Diário de um banana versão feminina, você ja deveria saber que não tive saco!
A adolescência
Foi então, há 14 anos, que fui à minha primeira Bienal. Caçar livros? Não! Fui tentar conhecer o estande da Revista Capricho para virar a nova Garota Capricho e realizar o sonho de fazer parte da Galera. No fim do dia, só consegui mesmo tirar foto no banner da Revista Atrevida.
Junto à faculdade, a vida adulta
Vamos pular para 2022, tempos em que eu era viciada em thrillers de cinema. Acreditei ser uma boa ideia recomeçar a minha grandiosa trajetória literária por aí (finalmente). Olhei para a estante suspensa de livros da minha mãe e pedi uma indicação. O que acha que aconteceu? HA! Para a sua surpresa, sim, eu li, até o final, o livro escolhido — mas a leitura foi tão arrastada que estava ali mais para cumprir um trato comigo mesma do que para, de fato, ler um livro por prazer.
Eu sempre achei lindas as amantes da literatura. A verdade é que tinha inveja dessas pessoas.
O namoro veio em minha vida — e, com ele, um homem apaixonado por ler. Um pouco antes, no início da faculdade, me tornei grande amiga de uma viciada em livros clássicos. E foi então que comecei a me sentir “menos”: menos inteligente, menos capaz, menos interessante. Isso nunca tinha me incomodado tanto. Percebi uma vontade enorme de compartilhar histórias e experiências literárias, mas não tinha o que falar. Eu não conseguia participar desse recorte de vida dessas pessoas.
Estava decidida! Eu iria ser leitora. Precisava ser. O mundo estava colapsando (ainda está). Guerras, eventos geopolíticos, fenômenos naturais. E tudo o que eu sabia debater era apenas sobre medicina e as coisas que havia aprendido no pré-vestibular. Me senti uma miserável.
O ‘talvez’ verdadeiro ponto de partida
Comecei pelo utilitarismo: estava firme de que o propósito da leitura era apenas para aprender. A literatura deveria ser útil, na minha cabeça nada madura. Aonde fui parar? Em livros classificados como autoajuda.
Sempre soube que a arte não tinha obrigação de ser útil, mas me esqueci de que a literatura também era uma manifestação artística.
Porém não me julgue tanto quanto eu com essa minha ideia de autoajuda. Estava lendo A voz na sua cabeça, de Ethan Kross. Um livro bem embasado — que foi indicação do meu namorado — e escrito por alguém que tinha autoridade no que dizia. Recomendo para todos que sofrem de ansiedade.
Foi a partir daí que comecei a espionar o clube do livro de uma amiga (aquela que ama clássicos), enquanto eu lia a obra de Ethan.
Senti que não era certo eu dizer qual era minha preferência literária se não conhecia todas.
Logo, a Amazon chegou em minha vida. Ela chega para todos.
Compra feita. Demorou uma semana para chegar A improbabilidade do amor, de Hannah Rothschild e A morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói. O primeiro foi lido em dois meses e meio. O segundo ainda está na fila de leitura — isso porque tive a brilhante ideia de criar um clube do livro (só para mulheres). Foi a partir disso que o trem deslanchou.
Já estou no meu quarto livro não obrigatório, de leituras ininterruptas — e contando.
O que descobri — e que talvez você precise ouvir
Tudo isso para revelar a minha descoberta tão óbvia: não importa o gênero, o que importa era compartilhar a leitura.
Eu sempre fui do coletivo; isso não mudaria nessa faceta da minha personalidade. A literatura, para mim, revelou-se o significado de coparticipação. É poder partilhar experiências e pensamentos com quem quer que seja. É amar conversar sobre o que se leu. É amor em movimento.
Literatura é comunitária e não egoísta.
Obs.: Não tenho mais vergonha da minha trajetória com os livros. E, se por algum momento você, leitor desse texto, já sentiu isso por si — seja qual for o motivo — pense que só não compreendia o que compreende hoje.
Olhe para minha história de vida com os livro. Não é à toa que o Brasil é um dos países que menos lê na atualidade. Infelizmente.